Foi uma experiência simples que mostrou
como sofremos do “complexo de vaso sanitário”, recebendo qualquer merda integralmente
sem ao menos questionar a veracidade das informações. Eu entendo o porquê, mas
calar-se diante disso é um problema gravíssimo.
Ano passado me lembro de ter desmentido
um sujeito “idôneo” e “cristão” que disse que o governo de então não tinha
concedido aumento real dos salários, pois segundo ele a inflação foi muito
maior no período. Ele usou um jornalzinho de ofertas de 1996 e disse que os
preços eram bem menores, o que provava a mentira do aumento dos salários. Muita
gente concordou com ele e compartilhou tal postagem com ar de indignação,
ferozmente propagando que era uma mentira o que dizia o governo. Eu tive o
prazer de comparar o aumento de produto por produto, preço por preço com o
aumento do salário mínimo no mesmo período para ver se fazia sentido, e, como
sempre, os rapazes estavam mentindo, e uma mentira se fazia passar por verdade.
Isso me custou boas horas de pesquisa e
abdicação de estudos outros, tempo e paciência que muitos não têm. Por isso
entendo o complexo de vaso sanitário, onde a maioria adota por verdade qualquer coisa “moralizante”
propagada aos gritos.
A bola da vez agora são os escândalos de
corrupção. Inegavelmente eles estão aí para qualquer um ver, e embora sejam sim
usados de maneira política numa articulação entre mídia e partidos da direita,
eles devem ser severamente punidos. Contudo, o que me deixa um tanto receoso e
por vezes surpreso é a capacidade de alguns analistas políticos formados na
Veja em atrelar a corrupção no Brasil ao período dos últimos 12 anos. Essa
ideia de corrupção neste período é amplamente acreditada por parte da população
acometida pelo complexo de vaso sanitário, e tem por reação os incessantes e raivosos
pedidos de impeachment e até o da volta da ditadura militar para, como dizia
Jânio Quadros, “varrer a corrupção”, ou mesmo tirar o Brasil do “mar de lama”,
mote do grandiloquente Lacerda.
Peguei, então, o seguinte trecho e o
mostrei aos alunos (e também postei no
facebook) dizendo ter sido escrito em Fevereiro deste ano (2015) por um
pensador conhecidíssimo e contrário ao governo. Eis o trecho:
"Toda
a nacionalidade no momento que atravessamos tem sua vista volvida sobre o caso [...] presidencial […] porque
ele se prende ao feliz futuro da patria [...] nenhum brasileiro cônscio de seus
deveres deverá na hora presente entregar-se a letargia olvidando que a nação
atravessa uma crise de falta de homens honestos [...] A democracia […] perdeu de vistas a sua verdadeira
fonte de inspirações; […] estamos
simulando o regime da democracia.
O caráter vai em decadência, o critério politico não mais existe [...] Vamos. pois, então nós brasileiros livres que andamos de acordo com o nosso pensamento, e longe das machorcas politicas, vamos apontar o verdadeiro homem que saberá dirigir a nossa terra [...] gritemos a plenos pulmões [...] em prol da nossa felicidade, em prol do regime democrático que ora acha-se falido e derrocado."
O caráter vai em decadência, o critério politico não mais existe [...] Vamos. pois, então nós brasileiros livres que andamos de acordo com o nosso pensamento, e longe das machorcas politicas, vamos apontar o verdadeiro homem que saberá dirigir a nossa terra [...] gritemos a plenos pulmões [...] em prol da nossa felicidade, em prol do regime democrático que ora acha-se falido e derrocado."
A maioria quando viu diretamente
associou aos problemas inegáveis do governo atual, alguns, inclusive, dizendo
ser justo o impeachment, dado a corrupção do governo. A maioria disse que quem
escreveu o fizera de maneira lúcida e que se enquadrava perfeitamente no
cenário político atual. Contudo, quando revelei a verdadeira fonte e o ano de
publicação gerou-se um pequeno incômodo a princípio. O trecho fora retirado do
Jornal A Tarde em abril de 1937.
É óbvio que tais palavras são facilmente
relacionadas, e com certa razão, aos dias atuais. Contudo, ao descobrirem a
data em que foram publicadas perceberam que a corrupção no Brasil é crônica, e
que sempre o Estado de São Paulo contesta a legitimidade do governo quando este
não é paulista ou bem quisto por São Paulo. Essa postura gerou, inclusive, os
conflitos de 1932, o golpe de 1964 e está aí até os dias atuais na ideia de
separatismo pós-eleições e no pedido de IMPITIMA e intervenção militar. Se eu
não tivesse revelado a verdadeira fonte e ano de publicação o complexo de vaso sanitário faria com que as palavras fossem realmente creditadas ao senhor a quem
atribuí em princípio, tal como todos creram no primeiro momento, e fomentaria, certamente, mais
ainda o ódio ao atual governo e pedidos de IMPITIMA para limpar a pátria,
pedido incoerente de democracia acabando com o processo democrático.
A corrupção não foi inventada há 12
anos, como apontam alguns líderes de direita e a mídia e o complexo de vaso sanitário faz alguns acreditarem. Não é a intervenção militar que dará jeito, nem o
IMPITIMA, haja vista que as mesmas reclamações de 1937 estão presentes hoje, e
as duas soluções apresentadas já foram utilizadas sem dar o menor resultado, posto que a corrupção ainda está aí.
A diminuição da corrupção ou o seu fim passa
pela reforma política, não pelo fim do processo democrático. Antes de lutar
pelo IMPITIMA ou defecar pela boca vociferando pela volta dos militares, grite
a plenos pulmões pela reforma política. Peça ao senhor Gilmar Mendes parar de enrolar e devolver
logo o projeto do fim do financiamento privado de campanha, projeto já votado pelos ministros do STF e cuja votação acaba com esse câncer na política brasileira.
O complexo de vaso sanitário tem tratamento:
estudos e pesquisa.
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