terça-feira, 17 de março de 2015

Complexo de vaso sanitário

Foi uma experiência simples que mostrou como sofremos do “complexo de vaso sanitário”, recebendo qualquer merda integralmente sem ao menos questionar a veracidade das informações. Eu entendo o porquê, mas calar-se diante disso é um problema gravíssimo.
Ano passado me lembro de ter desmentido um sujeito “idôneo” e “cristão” que disse que o governo de então não tinha concedido aumento real dos salários, pois segundo ele a inflação foi muito maior no período. Ele usou um jornalzinho de ofertas de 1996 e disse que os preços eram bem menores, o que provava a mentira do aumento dos salários. Muita gente concordou com ele e compartilhou tal postagem com ar de indignação, ferozmente propagando que era uma mentira o que dizia o governo. Eu tive o prazer de comparar o aumento de produto por produto, preço por preço com o aumento do salário mínimo no mesmo período para ver se fazia sentido, e, como sempre, os rapazes estavam mentindo, e uma mentira se fazia passar por verdade.
Isso me custou boas horas de pesquisa e abdicação de estudos outros, tempo e paciência que muitos não têm. Por isso entendo o complexo de vaso sanitário, onde a maioria adota por verdade qualquer coisa “moralizante” propagada aos gritos.
A bola da vez agora são os escândalos de corrupção. Inegavelmente eles estão aí para qualquer um ver, e embora sejam sim usados de maneira política numa articulação entre mídia e partidos da direita, eles devem ser severamente punidos. Contudo, o que me deixa um tanto receoso e por vezes surpreso é a capacidade de alguns analistas políticos formados na Veja em atrelar a corrupção no Brasil ao período dos últimos 12 anos. Essa ideia de corrupção neste período é amplamente acreditada por parte da população acometida pelo complexo de vaso sanitário, e tem por reação os incessantes e raivosos pedidos de impeachment e até o da volta da ditadura militar para, como dizia Jânio Quadros, “varrer a corrupção”, ou mesmo tirar o Brasil do “mar de lama”, mote do grandiloquente Lacerda.
Peguei, então, o seguinte trecho e o mostrei aos alunos  (e também postei no facebook) dizendo ter sido escrito em Fevereiro deste ano (2015) por um pensador conhecidíssimo e contrário ao governo. Eis o trecho:

"Toda a nacionalidade no momento que atravessamos tem sua vista volvida sobre o caso [...] presidencial […] porque ele se prende ao feliz futuro da patria [...] nenhum brasileiro cônscio de seus deveres deverá na hora presente entregar-se a letargia olvidando que a nação atravessa uma crise de falta de homens honestos [...] A democracia […] perdeu de vistas a sua verdadeira fonte de inspirações; […] estamos simulando o regime da democracia.
O caráter vai em decadência, o critério politico não mais existe [...] Vamos. pois, então nós brasileiros livres que andamos de acordo com o nosso pensamento, e longe das machorcas politicas, vamos apontar o verdadeiro homem que saberá dirigir a nossa terra [...] gritemos a plenos pulmões [...] em prol da nossa felicidade, em prol do regime democrático que ora acha-se falido e derrocado." 

A maioria quando viu diretamente associou aos problemas inegáveis do governo atual, alguns, inclusive, dizendo ser justo o impeachment, dado a corrupção do governo. A maioria disse que quem escreveu o fizera de maneira lúcida e que se enquadrava perfeitamente no cenário político atual. Contudo, quando revelei a verdadeira fonte e o ano de publicação gerou-se um pequeno incômodo a princípio. O trecho fora retirado do Jornal A Tarde em abril de 1937.
É óbvio que tais palavras são facilmente relacionadas, e com certa razão, aos dias atuais. Contudo, ao descobrirem a data em que foram publicadas perceberam que a corrupção no Brasil é crônica, e que sempre o Estado de São Paulo contesta a legitimidade do governo quando este não é paulista ou bem quisto por São Paulo. Essa postura gerou, inclusive, os conflitos de 1932, o golpe de 1964 e está aí até os dias atuais na ideia de separatismo pós-eleições e no pedido de IMPITIMA e intervenção militar. Se eu não tivesse revelado a verdadeira fonte e ano de publicação o complexo de vaso sanitário faria com que as palavras fossem realmente creditadas ao senhor a quem atribuí em princípio, tal como todos creram no primeiro momento, e fomentaria, certamente, mais ainda o ódio ao atual governo e pedidos de IMPITIMA para limpar a pátria, pedido incoerente de democracia acabando com o processo democrático.
A corrupção não foi inventada há 12 anos, como apontam alguns líderes de direita e a mídia e o complexo de vaso sanitário faz alguns acreditarem. Não é a intervenção militar que dará jeito, nem o IMPITIMA, haja vista que as mesmas reclamações de 1937 estão presentes hoje, e as duas soluções apresentadas já foram utilizadas sem dar o menor resultado, posto que a corrupção ainda está aí.
A diminuição da corrupção ou o seu fim passa pela reforma política, não pelo fim do processo democrático. Antes de lutar pelo IMPITIMA ou defecar pela boca vociferando pela volta dos militares, grite a plenos pulmões pela reforma política. Peça ao senhor Gilmar Mendes parar de enrolar e devolver logo o projeto do fim do financiamento privado de campanha, projeto já votado pelos ministros do STF e cuja votação acaba com esse câncer na política brasileira.

O complexo de vaso sanitário tem tratamento: estudos e pesquisa.

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