sábado, 28 de dezembro de 2013

Quem deveria ter a entrada barrada na Câmara Municipal de Ribeirão Preto?


Ontem, no jornal Noticidade (SBT), o apresentador contou com a presença do futuro presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, Walter Gomes, para prestar esclarecimentos e apontar quais os grandes desafios que o mesmo acreditava encontrar em sua nova função. Obviamente que as manifestações ocorridas durante todo o ano foram pauta, e a respeito dessas manifestações é que as questões mais polêmicas foram suscitadas.
O senhor Walter Gomes, que há muitos anos se faz presente na Câmara Municipal - se reelegendo por meio de um curral eleitoral cujas cercas delimitadoras são as grades em volta dos campos de futebol - afirmou que a partir de sua gestão os cidadãos terão suas bolsas revistadas para terem acesso ao plenário. Da mesma forma, afirmou categoricamente que indivíduos “mascarados” não irão ter acesso ao local. Segundo o futuro presidente da Câmara, todas estas medidas seriam necessárias para garantir a integridade física dos vereadores, para impedir que a violência tomasse conta das sessões.
Contudo, qual seria o medo que permeia os pensamentos dos vereadores e que culminou com esta ação arbitrária do próximo presidente da casa legislativa?
Provavelmente o medo que os acomete gira em torno de uma articulação da sociedade civil que, cansada da conduta coronelesca de grande parte de seus representantes políticos, resolveu tomar uma atitude renovadora, que tomou grande força com o “não reeleja” e culminou com o cancelamento da sessão da Câmara semana passada. Esta postura da sociedade, se não põe fim aos desmandos destes senhores, dificulta-lhes a ação, o que lhes causa grandes constrangimentos entre si em suas obscuridades praticadas no submundo político de Ribeirão Preto.
O senhor Walter Gomes, ao citar os ovos e o sinalizador atirados contra o então presidente da Câmara, Cícero Gomes, afirmou que se o mesmo indivíduo – patrimônio tombado da casa – tivesse sido atingido, certamente estaria com problemas em sua saúde. Sendo assim, a ação coercitiva (revista) contra os cidadãos que assistem às sessões seriam justificadas, pois além de garantir a integridade dos vereadores, impediria que os “vândalos” depredassem o patrimônio público.
Oras, isso só pode se tratar de uma piada, senhor vereador! Já ouvi falar que ingerir ovo em excesso pode causar o aumento do colesterol, mas nunca que uma ovada pudesse causar algum tipo de doença (Mário Covas que o diga). Se assim o fosse, muitas crianças certamente morreriam nas filas dos postos de saúde (área também sucateada) de nossa cidade nos dias de seus aniversários, onde muitas levam um número excessivo de ovadas de seus amigos. Tampouco creio, vereador, que os sinalizadores possam causar algum tipo de dano maior que as balas de borracha e spray de pimenta que portavam os policiais postados por vossas senhorias na Câmara e que estavam prontos para reprimir os verdadeiros donos da Casa: o povo. Um ovo ou um sinalizador lançados contra um político nunca serão causa de doença, tal como pretendes, vereador, mas sim efeito de doenças crônicas que acometem a cidade de Ribeirão Preto: a “corruptose aguda”, a “ineficiênciatíase”, a “coronelite”, a “interessiti particulariosi” que corrói a máquina pública, entre outras doenças.
Tampouco creio, vereador, que qualquer coisa quebrada dentro da Câmara Municipal (o que não me recordo ter acontecido) custe mais caro aos cofres públicos do que o aumento salarial que os senhores mesmos se concederam há pouco tempo. Tampouco custariam mais caro que os salários exorbitantes pagos pelo executivo para custear os cargos de confiança e que os senhores (maioria governista) não fazem questão de questionar a verdadeira necessidade.
Tenho por certo que maior depredação ao patrimônio público ocorre quando usais do poder que lhes foi concedido pelo povo para agir contra o próprio povo, como nessas situações citadas. Um outro exemplo de como se depreda patrimônio público foi dado com vossa intenção de aprovar o inconstitucional e imoral projeto de lei que visava a prorrogação dos contratos dos professores emergenciais. Vós estais a depredar o maior patrimônio que a cidade tem, e cujo valor não se mede em cifras: as crianças e adolescentes de Ribeirão Preto. Ao negar-lhes o direito à educação de qualidade estais comprometendo o futuro destas mesmas crianças, e certamente garantindo as vossas continuidades na Câmara, pois são estes que vão jogar os campeonatos de futebol nas periferias da cidade, são os mesmos que dependerão de cestas básicas para sobreviver, não é mesmo, senhor vereador?
No dia de sua eleição como presidente da Câmara, senhor vereador, recordastes mais uma vez das dificuldades que tivestes de enfrentar para chegar a tal posição. É uma bela história de superação. Contudo, o que tens feito com o cargo que lhe foi confiado por aqueles que sofrem tanto ou mais do que sofrestes? Tua história de superação parece servir apenas como meio de comover aos que te escutam, e não para garantir que a situação dos menos afortunados melhore. Em vez de fiscalizar os desmandos do executivo, uniu-se à prefeita, e estás ajudando na falência da cidade. Saindo de onde saiu e chegando a onde estás, deverias lutar para a que a população tivesse melhores condições, mas pelo visto queres continuar na posição que se encontra. Isto explica o porquê de dificultar que os cidadãos entrem na casa que é deles.
Como afirmou Leonardo Sacramento em uma entrevista “A Câmara não é um patrimônio dos vereadores”, senhor futuro presidente, mas um patrimônio da população que vossas senhorias estão depredando com conduta tão vil. Os vereadores que colocam o interesse particular ou de um grupo acima do interesse público é que deveriam ser revistados pelo Ministério Público e impedidos de entrar na Câmara. A pior máscara não é aquela artificial que é colocada, mas a natural que está sendo usada por muitos dos vereadores, e que enganam muito mais.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

2013, 2013!!!

Como resumir em poucas palavras o que o ano de 2013 representou em minha vida? Creio não ser possível para alguém acostumado a escrever muito, a expandir, suprimir por meio de um resumo boa parte do vivido neste ano. Sendo assim, conforme minha memória for dando o ar da graça e a minha limitada capacidade de escrever me permitir, tentarei expressar o que significou o ano 2013, mesmo que um resumo não seja bem minha característica.

Dentre as várias realizações ocorridas este ano, creio que a maior de todas foi a de ter tido a honra de lecionar na escola onde aprendi a ler. Creio não haver palavra em nosso idioma que traduza tal sentimento. Vinte anos após minha entrada como aluno no Alfeu Luiz Gasparini retornei enquanto Professor. Neste período, dentro de minha limitação, esforcei-me por tentar passar alguma coisa aos alunos (que hoje posso chamar de amigos) que lhes fosse proveitosa. Não sei até que ponto obtive êxito, mas certamente foi algo inesquecível para mim.
Embora o dia de minha saída tenha sido extremamente triste por ter de deixar um lugar tão especial para mim, fui ao mesmo tempo (junto com os outros amigos que também saíram) agraciado com o carinho de grande parte dos amigos alunos que fiz.  Creio que qualquer professor seria muito mais feliz com sua profissão se tivesse recebido o carinho que recebi nesta ocasião. Certamente essa atitude intempestiva dos alunos não se deu senão por um vínculo que fiz questão de cultivar, seja conversando a sós sobre diversos assuntos, seja tocando flauta durante o recreio, seja jogando futebol na última aula.
Certamente, os alunos do Alfeu fizeram com que este ano fosse o melhor de minha vida.
Para além do Alfeu, outra instituição de Ensino marcou meu ano de 2013: o Barão de Mauá. Para ser sincero, mais os amigos e professores do que necessariamente a instituição. Contudo, não há como negar que foi lá um dos momentos de maior realização de minha vida: a formatura. Lá tornei-me Professor, em contato com ótimos professores e ótimos amigos. Sem isso, certamente a própria satisfação de voltar ao Alfeu como Professor seria possível.
Não há como negar que este ano foi de fato repleto de realizações, sendo que uma delas (posso dizer envaidecidamente), foi a nota 10 que conquistei em minha monografia. Depois de nove longos meses e 144 páginas depois, ser coroado com tal nota deixou-me muito feliz. A mesma felicidade senti ao ser selecionado para a Iniciação Científica.
Embora coisas ruins também tenham permeado este ano, no-las citarei. Prefiro apenas dizer que existiram, sem remoê-las e rememorá-las, pois prefiro compartilhar somente as boas coisas. O ano de 2013, entre coisas boas e ruins, certamente foi o melhor que tive até então, pois foi um ano de realizações pessoais sem igual. Infelizmente, eis que ele chega ao seu final. Todavia, certamente guardarei as recordações dele na memória, e sempre que revisitar os fatos ocorridos em período tão bom de minha vida, certamente a mesma felicidade que ora sinto se fará presente.

Às pessoas que compartilharam este ano comigo e ajudaram a torná-lo o mais significativo de minha vida, deixo meus sinceros agradecimentos!

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Discutindo o antropocentrismo na obra "A criação do homem", de Michelangelo.


Os séculos XIV e XV representaram a quebra de um paradigma pautado na religiosidade que há muito tempo imperava na Europa. Este período representou uma mudança tão grande no pensar e no representar o mundo, que os Iluministas (que se diziam os portadores da verdade) reconheceram nos homens que nele viveram os seus predecessores. Denominaram-no, pois, Renascimento.
Segundo os Iluministas, durante estes séculos o homem (ou parte deles) conseguiu se libertar do “obscurantismo” da Igreja Católica, que se dizendo a intermediadora entre Deus e o mundo, teria o monopólio da verdade divina e de todo conhecimento por consequência. Embora o Renascimento seja normalmente estudado no campo das artes, sua influência se estendeu por uma gama enorme de áreas. A própria chegada do europeu à América aponta para a influência renascentista para além da arte.
Enfim, o Renascimento esteve, a grosso modo, pautado no estilo greco-romano de arte e técnica (que a Igreja “não apreciava”, por isso a volta a este estilo foi denominada Renascimento), um pensar e fazer o mundo com base em conhecimentos empíricos, a partir das experiências humanas, um antropocentrismo, que a partir daí buscava a perfeição das formas, não somente a mensagem (principalmente religiosa) que era o objetivo da arte sacra.
Vale salientar que as precursoras deste “renascimento” foram as cidades-estado italianas, que durante a Idade Média, dominaram o comércio europeu, dada sua posição geográfica privilegiada no Mar Mediterrâneo, que as colocavam no meio do caminho entre o Oriente Próximo e o interior do continente. Cidades comerciais que eram, tinham um grande fluxo de pessoas de origens múltiplas, o que facilita as trocas culturais, elemento indispensável para a quebra de paradigmas. É justamente neste contexto e nessas cidades italianas que se insere Michelangelo, de quem a autora Léa Sá analisa algumas obras.
Segundo a autora, “Arquiteto, escultor, pintor, poeta e engenheiro, Michelangelo Buonarroti [...] não conhecia limitações” (SÁ, 2001, p. 51). O artista fora convocado pelo Papa Júlio II para pintar a abóboda da Capela Sistina, que ainda estava virgem:

O artista tentou esquivar-se dessa encomenda; no entanto, o Papa se manteve irredutível.
Começou, então, Michelangelo a elaborar um modesto esquema [...] e a contratar ajudantes [...] Repentinamente, fechou-se na capela, não deixou ninguém se acercar dele e começou a trabalhar sozinho num plano que assombrou o mundo desde o instante em que foi revelado. (SÁ, 2001, p. 51-52).

“A criação do homem” é apenas uma das imagens contidas no teto da Capela Sistina, sendo uma das mais conhecidas entre elas. Segundo Sá, muitos outros artistas já haviam pintado Adão no momento da criação, “mas nenhum deles se aproximara sequer de expressar a grandeza do mistério da Criação com tamanha simplicidade e força”(SÁ, 2001, p. 53) como Michelangelo.
Nesta obra ficam claros os elementos renascentistas, pois a análise da autora aponta para o fato de que “Adão [...] está deitado no chão, exibindo toda a beleza e vigor que condizem com o primeiro homem” (SÁ, 2001, p. 53). Beleza e vigor, ideais greco-romanos que voltaram a fazer parte da arte renascentista. A perfeição das formas é um marco do renascimento, seja nas esculturas, seja nas pinturas ou em outro campo.
A autora aponta ainda que a pintura retrata a grandeza de Deus no ato da criação, dando vida a mais bela de suas obras: Adão. Sá, ao se apropriar da obra de Michelangelo, representa a criação desta forma:

Desde a criação de Adão, Michelangelo coloca em evidência a transparência mítica do divino e sua irremediável perda, a ausência, a distância que, eternamente e desde a origem, separa a criatura do Criador, o homem da Criação.
Há um espaço entre o plano do Criador e o plano da criatura. E é justamente neste espaço simbólico, metafórico, que o dedo indicador da mão direita do Criador toca a mão esquerda da criatura. A mão inerte, sem vida, de um ser que contempla o poder, a energia da transformação. SÁ, 2001, p. 55)

Segundo a autora, a obra de Michelangelo tem no ato do “quase toque” entre Deus e o homem seu clímax, pois o gênio do artista conseguira, por meio de um “não toque”, representar a separação, a distância existente “eternamente e desde a origem” entre Criador e criatura. Embora Adão seja a imagem e semelhança de Deus, e consequentemente tenha suas formas retratadas pelo pintor com aparente perfeição, os planos em cada um está apontam para as diferenças entre ambos. Segundo a apropriação que Sá têm da obra, o ponto central da mesma seria o quase toque entre Deus e o homem, e a mensagem contida nisso seria a magnanimidade do Criador, que envolto por anjos, ao dar vida a sua criação, é contemplado por ela.
Discordando de Léa Sá, ouso também apropriar-me de tal obra, e apontar qual leitura faço da mesma.
A autora vê na obra a contemplação de Adão ao seu criador. Contudo, pautado em algumas evidências encontradas no contexto histórico e no próprio texto de Léa Sá, creio que Michelangelo possa ter passado outra mensagem no Afresco.
Se pararmos para pensar que o renascimento (embora o termo tenha sido usado não pelos contemporâneos, mas tenha sido dado pelos Iluministas séculos depois) tinha por principal característica o antropocentrismo, a tentativa do homem conhecer o mundo por si mesmo, o que necessariamente significa quebrar com algumas “verdades divinas”, poderemos fazer uma releitura da obra tendo o homem como centro e emissor da mensagem, não mero contemplador da divindade.
Atendo-se ao texto de Sá, veremos que a mesma, ao descrever parte dos talentos de Michelangelo, afirma que ele era versado em várias artes, o que aponta para um indivíduo que tinha no conhecimento empírico uma satisfação e uma forma de pensar. Era ele quem conhecia e fazia por si mesmo, sem esperar, necessariamente, uma luz divina que lhe revelasse o conhecimento.
Da mesma forma, encontramos no texto referência a uma certa autonomia do artista, evidenciada em uma possível resistência ao Papa, haja visto que segundo a autora ele tentara recusar o serviço, sendo dissuadido pelo Papa Júlio II a aceitá-lo. Essa postura de negar ao Papa (ou de tentar negar) demonstra seu gênio extremamente excêntrico e humanista, por não aceitar prontamente o pedido do sumo pontífice, tentando fazer valer a vontade do homem face ao representante de Deus na Terra.
Se o meio não é determinante das ações do indivíduo, ele é condicionante. Todavia, dentro das limitações impostas pelo lugar social do indivíduo, o mesmo pode apropriar-se das representações e modificá-las. Michelangelo, não podendo se negar a pintar a Capela para o Papa, mesmo frustrado o fizera. Todavia, valendo-se de estratégias que fogem às determinações impostas, se apropriara de passagens bíblicas e a representara segundo uma lógica humanista.
Creio que Michelangelo possa ter tentado passar uma mensagem puramente antropocêntrica na citada obra. Ou seja, a obra tem o homem como centro, e não Deus. O homem (não creio que esteja sem vida como aponta a autora) está sentado de uma maneira muito cômoda, muito displicente para quem está contemplando em êxtase a magnitude de seu divino Criador. Embora Sá aponte que na obra eles não se tocam, creio que a mensagem passada não seja a diferença dos mundos do Criador e da criatura que impede esse toque, mas representa a separação entre o homem iluminista, racional, e a Igreja. Ao contrário de Adão, que parece não fazer questão que isso ocorra. Deus, parece estar se esforçando muito para poder tocar em sua criação. Parece um esforço motivado por uma paixão humana. Os anjos ao verem Deus nessa situação, tentam segurá-lo e puxá-lo novamente para o seu plano, fazendo com que recobre a consciência.
Neste releitura, talvez leviana, Michelangelo não aponta para a criação em si, mas para o homem renascentista, que vê na divindade algo comum, sendo ele mesmo, o homem, o agente do saber e do fazer, sendo desnecessário correr atrás de Deus. Ao contrário disso, Deus representaria a própria Igreja, que “sendo a portadora dos dons divinos” não consegue fazer obra de grande expressão, tendo de correr atrás dos homens (atrás dele, no caso) para a realização de algo. Neste caso, o Adão representaria o próprio Michelangelo, que estava indiferente ao trabalho dado pelo Papa a ponto de tê-lo recusado de início, tendo, posteriormente, de ser curvar aos caprichos do Papa.
Oras, não se pode negar que os artistas do Renascimento ainda viviam em um mundo cuja religiosidade era extremamente importante, tampouco se pode negar aos indivíduos sua capacidade inventiva, de criar maneiras novas de interpretar e viver o mundo a sua volta. Se os mecenas podiam se colocar (serem pintados) em cenas sacras, os artistas poderiam também criar uma obra com sentido por vezes distinto do esperado, ainda mais frustrado por ter de aceitar um serviço que não queria. Em plena especulação como me acho, defendendo uma “teoria da conspiração”, por que Michelangelo escolhera se isolar e pintar uma obra de tal monta sozinho? Não seria acaso pelo fato de estar pintando algo distinto do esperado por uma certa vingança, necessitando de um sigilo que somente ele poderia guardar, afim de não ser atrapalhado em seu intento?
Não sendo possível apreender as verdadeiras intenções do artista, creio que ficará a indagação sem resposta, mas deixo patente minha discordância ao sentido atribuído pelos grandes estudiosos da arte.

BIBLIOGRAFIA:

CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos Avançados. São Paulo: USP, 11(5), 1991, p173-191.

SÁ, L. S. B. de. O dito e o escrito em três cenas da Capela Sistina: A Criação do Mundo, A Criação do Homem e a Criação de Eva, In_SALZEDAS, N. A. M. Uma leitura do ver: do visível ao legível. São Paulo: Arte e Ciência Villipress, 2001, p. 51-58. disponível em:

sábado, 4 de maio de 2013

MANIFESTO


 Enquanto participante do Movimento Jovem Independente, que se iniciou em Ribeirão Preto com pretensão de mudar a Nação, lanço mão em nome do ideal deste, do presente manifesto para que a Sociedade inteira, ou parte dela, fique sabendo da precarização da nossa Educação, que historicamente vem sendo sucateada.

Quando iniciou-se o movimento, sabia-se que a batalha seria árdua – tal como está sendo, entretanto, ela é lícita e visa o cumprimento pleno de um Direito garantido pela Lei Máxima de nosso país: a Constituição.

É evidente o estado deplorável que a Educação oferecida, principalmente pelo estado de São Paulo, se encontra. Toda e qualquer pessoa, sendo ou não aluno, tendo ou não um vínculo direto com as instituições de ensino, tem conhecimento acerca da precarização das escolas. Basta perguntar a qualquer cidadão nas ruas que se evidenciará o que aqui se afirma. Prova disso é o número de promessas (que nunca são cumpridas) em época de campanha cujo foco é a “melhoria da educação”.

Os governantes do estado de São Paulo, assim como os dos demais estados e prefeituras que têm responsabilidade de oferecer Educação, são hipócritas. Desumanizam os alunos e “mercadorizam” os Professores. Afirmam que estão investindo em educação, mas na verdade financiam a ignorância acadêmica e política dos alunos.
Investir em Educação não é simplesmente oferecer merenda, não é apenas pintar escolas, não é dar as mesmas apostilas usadas pelas escolas particulares. O conhecimento sempre foi produzido por humanos, e passado de humano para humano, de professor humano para aluno humano.
Não quero, com estas afirmações, negar que uma escola limpa, que um material didático bem elaborado e que uma boa alimentação podem influenciar de forma positiva no processo de ensino aprendizagem. Contudo, reinsisto: a educação é feita por humanos e para eles devem ser voltadas a maioria das as atenções e investimentos, que passa, inclusive pela merenda, apostila e escolas. Passa, mas não se encerra nelas, tal como o estado de São Paulo vem, por meio de suas propagandas que enfatizam a merenda e o material didático, tentando fazer-nos acreditar que está investindo em Educação.
Essa ética apregoada pelo neoliberalismo, que é mantida pelo estado, tal como afirma Paulo Freire, é uma ética do mercado travestida de ética humana. A necessidade de se aumentar o IDH, que passa pela melhoria da Educação, para parecermos um país de “primeiro mundo”, fez com que nossos governantes tomassem algumas medidas para alcançar tal meta.
A ideia de se dar Educação a todos é extremamente louvável, uma vez que converge para os princípios dos direitos humanos. Ocorre que, na busca para alcançar tal meta, esqueceu-se do humano e fez com que este se tornasse somente número. Nós, humanos “numerizados” por este processo, viramos a maquiagem que cobre o rosto feio de um país semi analfabeto para fazê-lo passar por um “bonito país de primeiro mundo”, onde todos “são alfabetizados”. Hoje, o Brasil gaba-se - mas ainda o estado de São Paulo por se considerar a locomotiva do país- de ter diminuído drasticamente, quase eliminado, o analfabetismo entre seus cidadãos.
A pergunta que fica é: o que os governantes entendem por educação?

A verdadeira Educação que deveria formar cidadãos hoje forma estatísticas. Entende-se por analfabeto aquele que não frequenta a escola, e por negação, alfabetizado seria aquele que a frequenta.
Isso talvez sirva quando o humano se torna simples número, mas quando se leva em conta a formação do indivíduo, o simples fato de estar na escola não significa, necessariamente, que este seja ou esteja sendo educado ou mesmo alfabetizado.
No estado de São Paulo, principalmente, esta lógica absurda se reflete em medidas como a progressão continuada. Oras, se o que prova a eficácia da Educação oferecida pelo estado é o índice de aprovação e a quantidade de alunos frequentando a escola, no estado de São Paulo onde os alunos não reprovam, a educação “é perfeita”! Esta é a lógica praticada pelo estado, que nos faz engolir, por meio de propagandas bem elaboradas, esta “verdade” goela abaixo, sem que possamos regurgitá-la, uma vez que não temos uma Educação que nos torna críticos.
A progressão continuada é a prova da mentalidade vigente entre os governantes em que não é necessário sequer o estar na escola, mas sim o passar por ela. Ensinar nas escolas, então, menos necessário ainda!
O aluno, que é simplesmente um número, não precisa aprender (número não aprende), todavia precisa ser contabilizado nas estatísticas. É para isto que servem os números: para serem contados, analisados, somados (nos aumentos salariais aprovados pelos representantes de si mesmos nas câmaras), multiplicados (nas contas dos corruptos), divididos (entre os fraudadores dos cofres públicos), e se preciso for, até mesmo subtraído (das verbas destinadas ao melhoramento da educação, saúde, moradia...). Enfim, não temos passado de números que não precisam de educação, mas de esperarmos pacientemente para sermos manipulados em estatísticas feitas pelos governantes.

Somente isto seria necessário para mostrarmos como o neoliberalismo com sua ética de mercado travestida de ética humana (que se importa com a Educação que forma cidadãos) coisificou, “numerizou”, “mercadorizou” aos professores e alunos por meio do Estado. Mas ainda há mais.
Para garantir que o número de “numerizados” aprovados seja elevado no estado de São Paulo, ou seja, para garantir que os alunos não sejam reprovados, é dado aos professores um bônus em seu salário - que é irrisório – caso estes consigam, através de seu empenho na prática docente, fazer com que os alunos aprendam o suficiente. Na verdade, não é um bônus pela eficácia do professor, mas sim uma clara ondem que diz: “passe esse aluno, mesmo sem ter aprendido, e ajude-me a perpetuar a ignorância entre este povo, para que seu salário, que é baixo, aumente um pouco e para que eles não me incomodem futuramente!”. Muitos são os que se rendem a isto, e os que não se rendem são perseguidos pelos diretores e pela imprensa (no caso das greves) e sofrem sansões de todos os lados e formas.
Isto mostra que viramos mercadorias, apenas.

Uma das lições aprendidas pelos primeiros capitalistas acerca de como conseguir lucros maiores sem aumentar os preços, foi a de diminuir os gastos com matéria-prima e com a mão de obra.
Como isso se reflete na educação? É bem simples!
Um dos reflexos desta ideia é a já vista: progressão continuada. O aluno que reprova dá gastos duas vezes. Assim, fazendo-o “passar”- já que é mero número- evita-se de ter novamente gastos com ele.
Em segundo lugar, já que o capitalismo visa sempre o aumento na produção, (neste caso o aumento de números) é preciso de mais matéria prima, logo, todos deverão passar pela escola ( não se contesta, nessa afirmativa, esse direito que é de todos, mas a lógica que faz com que todos sejam levados a escola, que não é senão a de criar estatísticas).
O terceiro reflexo desta lógica de mercado, e talvez a mais gritante, é a diminuição do valor gasto com a mão de obra e a concomitante exploração de seu tempo. Para diminuir o custo com a mão de obra pode-se fazer duas coisas: diminuir os salários ou aumentar sua carga de serviço. De qualquer forma o trabalhador (neste caso o professor) será mal remunerado, e por conseguinte, explorado. Os professores não tiveram diminuição em seus salários, mas tiveram um extraordinário aumento de serviço: aumentou vertiginosamente o número de alunos por sala de aula.
Pronto! A ética do Estado que é a mesma do mercado, conseguiu de uma só vez aumentar a produção de “números” (alunos nas escolas) para suas estatísticas; conseguiu diminuir o custo com a matéria-prima, já que os alunos não reprovam mais; diminuiu o preço com os equipamentos, já que não constróis escolas, mas superlota as já existentes; e por fim, também diminuiu os custos com a mão de obra, uma vez em que não aumentam os salários dos professores e sequer contratam mais profissionais, fazendo com que os poucos que existem trabalhem muito mais sem aumento real nos salários.
Não é isso o que ocorre? Então notem quantas não são as greves de professores, quantas são as escolas criadas, quantos são os alunos que realmente sabem ler e escrever, e quantas são as salas que têm menos de 45 alunos! Façamos um exercício de cidadãos fiscalizadores e vajamos como estão nossas escolas, professores e alunos!

A situação é calamitosa! Há de se batalhar por mudanças. Paulo Freire já atentava para esta luta lícita quando afirmava:

Um dos piores males que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil, historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer muitos de nós correr o risco de, a custo de tanto descaso pela educação pública, existencialmente cansados, cair no indiferentismo fatalistamente cínico que leva ao cruzamento dos braços. 'Não há o que fazer' é o discurso acomodado que não podemos aceitar ( Freire. Pedagogia da autonomia, p. 67)

E ainda enfatiza:

Se há alguma coisa que os educandos brasileiros precisam saber, desde a mais tenra idade, é que a luta em favor do respeito aos educadores e à educação inclui que a briga por salários menos imorais é um dever irrecusável e não só um direito deles (Freire. Pedagogia da autonomia, p. 66)

Contudo, como já foi dito que todos os cidadão têm conhecimento da precarização do nosso sistema de Ensino, não adiantaria somente denunciar as atrocidades evidentes e/ou elencar as causas disso. Fazendo isso corre-se o risco de sermos somente mais alguns insatisfeitos reclamando sem saber do quê, logo, sem saber o que fazer.
Saber o que precisa mudar não é o mesmo que saber o “em que essa mudança se transformará” e o “como mudar”.
Sabemos que não basta simplesmente tomar as ruas e em brados retumbantes dizer que “ei, sociedade, Educação é prioridade!”. Tão importante quanto nossa organização enquanto sociedade civil a contestar e reivindicar mudanças na Educação, é mostrarmos o caminho a se percorrer até se alcançar a Educação que queremos. Temos de ter propostas objetivas, e não gerais, tal como os ditos e pretendidos 10% do PIB, que se encerrar somente nisso, corre o risco de mesmo depois de muito esforço da sociedade, virar somente lenda e dinheiro jogado nos bolsos de governantes e empresas corruptas. Estes 10% do PIB pode se tornar apenas mais investimentos em coisas que nos vão “numerizar”, sem que de fato seja um ganho real para a Educação. Pode-se muito bem aplicar metade dessa verba em merenda e uniformes e a outra em apostilas mal elaboradas e pinturas de escolas, e ainda sim, através do cinismo das estatísticas elaboradas por esta ética do Estado e do mercado, afirmar que nossa país e nossos estados investem 10% do PIB em Educação, que somos do primeiro mundo por isso, mesmo que esse investimento não reflita em ganhos para os educandos e para a sociedade.
É por isso que devemos nos diferenciar dos demais movimentos, pois além de sabermos que esta é uma batalha árdua, sabemos que nossas propostas têm de ser bem objetivas, afim de que, se acatadas e implantadas (aí que entra a população nas ruas vociferando e cobrando dos governantes a implantação destas medidas ) corram menos risco de se transformarem em meros números para inglês ver.

O que precisa mudar é essa educação vigente que torna os cidadãos simples números para serem usados em estatísticas. Ela precisa se transformar em uma Educação de qualidade, que respeita a ética do ser humano, que forma cidadãos, que dá oportunidade iguais mesmo sabendo das diferenças.
Se a Educação é feita por educandos e educadores humanos, independente do local onde se dá esse processo, é para a formação destes que a maior parte dos recursos devem se destinar. Uma escola linda sem bons professores não forma bons alunos. Logo, a escola perde sua função primeira e deixa de ser escola, tornando-se apenas um prédio bonito, que por não formar bons alunos, por consequência não forma bons cidadãos, que em breve depredarão o próprio prédio que deixará de ser bonito. Em pouco tempo não teremos sequer o prédio bonito. Assim, necessário se faz que:

. O Estado invista , primeiramente, na criação de faculdades de licenciaturas, ou que crie possibilidades para que se possa ingressar nas particulares já existentes, afim de que Professores cada vez melhores sejam formados e possam estar nestas escolas “bonitinhas” formando bons alunos.
. Leis sejam criadas afim de limitar o número máximo de alunos por sala de aula entre 20 a 25, uma vez que estes alunos “numerizados” estão sendo tratados como animais confinados em salas superlotadas.
. Com a criação da lei que delimita o número máximo de alunos por sala de aula, consequentemente haverá a necessidade de investimentos na criação de novas escolas e na expansão de algumas já existentes
. Que se diminua a carga horária dos Professores em sala de aula para 20 ou 25 horas semanais, para que as demais sejam voltadas para a continuidade de seus estudos, em cursos criados pelo Estado para além das horas que eles já cumprem em HTPCs.
. Com a diminuição do número de alunos por sala e com a diminuição da carga horária dos Professores em sala de aula, consequentemente haverá a necessidade da contratação de mais professores.
. Que seja extirpado qualquer forma de bonificação dada aos professores, mas que estes valores sejam incorporados aos salários, afim de que estes se tornem mais dignos.
. Que se acabe, onde ainda perdura, a ideia da progressão continuada, pois se é dever do Estado e da família prover a educação da criança e do adolescente, também é um direito deste aprender tudo o quanto está sendo oferecido. Logo, o aluno que não teve o aproveitamento necessário para ser considerado apto a passar à série seguinte, independentemente dos motivos, tem o direito de cursar novamente. A retensão não é punição, mas direito.
. No Ensino Médio, criar uma grade curricular optativa, afim de que os alunos possam se dedicar às matérias que julgarem necessárias para o seu futuro acadêmico ou profissional.
. Criar atividades de extensão nas escolas que atendam a todos.
. Criar planos de carreira para os Professores e funcionários atrelados a área da Educação
. Que o cargo de Diretor seja atribuído mediante concurso, e não nomeação, afim de que os Diretores tenham autonomia e estabilidade para a tomada de decisões, não estando confinados aos desmandos das Diretorias de Ensino que os nomearam.
. Que os cargos de Secretário e Ministro da Educação não sejam mais atrelados ao jogo de interesses políticos, que muitas vezes coloca pessoas incapazes em cargos tão importantes, mas que pessoas com comprovada capacidade e conhecimento acerca do processo de Ensino-Aprendizagem ocupem estes cargos.

Estas são medidas, assim como outras que podem ser discutidas e elaboradas, que, como se nota, são pontuais e podem, caso acatadas, começar a modificar esta situação deplorável em que se encontra nossa Educação. São medidas que vão muito além do que a simples (mas necessária) merenda (que por sinal sempre aparecem casos de desvios de verbas e mal estado dos alimentos). São mudanças nas políticas públicas acerca da Educação, por isso mesmo extremamente difíceis de ser conseguidas, pois mexem com muitos interesses.
Esses interesses particulares, de “gente graúda”, que usa o público como extensão do privado, certamente se colocarão contrários a estas mudanças. Por isso mesmo é extremamente oportuno que toda a população esteja ciente do que impede as mudanças e de quais são as mudanças necessárias. Que todos saibam quais são os interesses em jogo. Que todos, então, cientes sobre o que precisa mudar e quem impede isso, possam sair às ruas e protestar, para que juntos, possamos conseguir, gradativamente, mudar a situação em que nos encontramos.
Este movimento que se iniciou em Ribeirão não pode ficar restrito a esta cidade. Há a necessidade de se propagar pelas cidades vizinhas e até os os confins desta nação. Onde houver uma Educação que trata humanos como números, o movimento em pró de melhorias deve estar presente. Se é Movimento Jovem Independente, se é Movimento Velho Independente, se é um partido político, se é um movimento estudantil, tudo é válido e nada importa ao mesmo tempo se o grito pela melhoramento não for uníssono.
Vamos todos, em uma só voz e em um só cordão, ainda que separados pelas distâncias de nosso Brasil varonil, gritar e lutar pela Educação que os governantes estão nos tirando.
Tomemos as ruas, cidadão brasileiros de todas as idades, pois se a situação de nossa pátria precisa mudar, o primeiro passo é mudar a Educação.

Viva os alunos, viva os Professores, viva a Educação, viva o Brasil, e que venha a luta, que venha o futuro, pois nós o faremos através de nossas ações.

Ribeirão Preto- SP 04/05/2013