terça-feira, 31 de março de 2015

Vai um placebo aí?

O grupo de médicos da fé e da moral está dando mais uma vez provas da extrema capacidade diagnóstica e das brilhantes prescrições para tratamento de moléstias. Da mesma forma como receitaram o IMPITIMA e a volta da ditadura militar como remédio para o mal crônico da corrupção, segundo estes incontestes doutores, o problema da criminalidade e do envolvimento de adolescentes neste mundo obscuro é a certeza da impunidade. A brandura das leis, seria, pois, o câncer que gera a criminalidade. 
Qual seria, então, para eles, o grandioso tratamento para esta terrível moléstia? Na verdade, as medidas mostram a excelência destes doutores, posto que materializam a superação do velho jargão "melhor prevenir do que remediar". Eles não só medicam como previnem de uma só vez, prescrevendo a diminuição da maioridade penal.
Segundo o deputado Marcos Rogério, a medida "tem como objetivo evitar que os jovens cometam crimes na certeza da impunidade". Brilhante! Como nunca pensamos nisso? Temos mesmo de agradecer a sorte de termos tais doutores para nos cuidar e sanar nossas doenças sociais.
Se ao receitarem IMPITIMA e ditadura militar se esqueceram que ao longo da história estes dois remédios já foram usados no tratamento do Brasil e não surtiram efeito, ao prescreverem a redução da maioridade penal acreditando que esta medida diminuirá a criminalidade de pessoas na faixa dos 16 aos 18 anos eles demonstram outro profundo desconhecimento. Ocorre que como já discuti, a certeza da pena de morte para o crime de roubo não impediu os ladrões que foram crucificados com Jesus de praticarem tal delito. Da mesma forma, como explicar que as mesmas punições não fazem com que os maiores de 18 anos deixem de cometer crimes? O que garante que os "novos maiores" vão mesmo parar de cometer delitos por conta de serem passivos de serem punidos como "maiores"?
A miopia ou o dolo destes doutores faz com que eles enxerguem nos sintomas o mal a ser extirpado, e tratam os sintomas com uso de placebos. Não vão fazer desaparecer os sintomas com o uso de placebos, muito menos curar a moléstia. E o que é pior: além de não curar a doença vão criar efeitos colaterais gravíssimos.
A doença da corrupção é causada em grande parte pela estrutura política que ora temos, que faz com que empresas privadas tenham seus interesses resguardados pelos políticos que elas mesmas ajudam a eleger. Os sintomas deste mal são os diversos escândalos de corrupção que une políticos e grandes empresas. Combater a corrupção usando como remédio a ditadura ou o IMPITIMA é combater os sintomas e deixar a verdadeira moléstia incólume. Como efeito colateral teremos novos casos de corrupção que ocorrerão debaixo dos panos e da impressão de sanidade que estes placebos causam em primeiro momento.
A doença da criminalidade é a extrema pobreza e a exclusão social que vitima grande parte da população. Diminuir a maioridade penal gerará nas pessoas a mesma sensação de maior segurança (ou vingança) por acharem que agora haverá punição. Será mais um tratamento de um sintoma e não da moléstia, e mais uma vez com uso de placebo. Como efeito colateral teremos um aumento da população nos presídios já superlotados e sucateados;  veremos que os crimes que anteriormente eram cometidos pelos "menores" de 16 e 17 anos passarão a ser praticados com maior frequência pelos de 13, 14 e 15. Ou seja, não surtirá efeito nenhum tal tratamento.
É interessante notar que a discussão acerca do uso destes placebos ganha espaço na mídia justamente quando há uma grande luta em vários estados para a adoção do único remédio que pode combater essa moléstia com alguma eficácia: Educação de qualidade para todos. 
Estes doutores ministram a Educação em doses homeopáticas à população que sofre da "síndrome de vaso sanitário",  e tirando proveito desse mal, fazem essas pessoas acreditarem que os sintomas são as causas, e os remédios por eles receitados são os melhores, quando não passam de placebos sem eficácia alguma. E como efeito colateral deste erro médico vemos pedidos de impeachment, de ditadura militar e a felicidade pela redução da maioridade penal. Enquanto isso vemos o descaso com a educação...

sexta-feira, 27 de março de 2015

O cortejo fúnebre

Dentre olhares curiosos e aplausos de apoio, seguiu rumo à Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto um ato que reunia em si diversos significados. Era dicotomia pura. De um lado significa um cortejo fúnebre face ao total sucateamento da educação nas escolas estaduais que tiveram até os itens de higiene reduzidos para “conter gastos”. Por outro lado, significava o renascimento do movimento estudantil, que, tal como se reverberava no trajeto. “nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil?”.
Frente à inércia da D.E. e aos escárnios constantes do atual governador face às reivindicações e manifestações dos professores, o que se viu foi o início do que se pretende duradouro e forte: a reação dos que são diretamente afetados por essa maneira truculenta e desrespeitosa com que é gerida e deseducação de São Paulo.
Se de um lado o governo de maneira leviana e forçosa tenta a todo custo, com a ajuda de fortes aliados como a Foia de sp, negar a existência de uma grave crise por meio de notícias de que o bônus pago aos profissionais da educação será o maior da história devido ao ótimos resultados alcançados; se tenta desesperadamente escamotear o movimento grevista que acomete o Estado todo reverberando a inexistência ou deslegitimando o movimento; se tenta impedir que os Professores se unam mais ainda proibindo que profissonais em greve entrem nas escolas para dialogarem com seus pares; se pede para juntarem salas para que os que ainda não estão em greve “tapem buracos”; se pede às diretoras de escola e diretorias de ensino que contratem emergenciais só para que pareça que tudo corre normalmente nas escolas; se por um lado o governo age com tamanha mesquinhez achando que a população é tão inocente assim, por outro lado alunos e Professores se unem para desmascarar as inverdades desse governo de Deseducação.
Nas últimas semanas tem ocorrido diversas manifestações em nossa cidade referentes aos problemas nas escolas. Ontem foi apenas a materialização da insatisfação que perpassa a grande maioria da sociedade, que se não estava em peso no ato, ao menos era representada nele.
Contrariando tudo o que se espera, muitos alunos encabeçaram o movimento em apoio à greve dos Professores, e não como normalmente se diz por aí que o fazem simplesmente por não terem aulas enquanto há greve, mas sim por não mais aceitarem ver seus docentes em situações humilhantes e por vezes desumanas. Os alunos perceberam que pior do que não ter aula durante a greve é não ter aula mesmo tendo Professor em sala. Eles estão se dando conta de que a precariedade da educação traz malefícios para toda a sociedade, principalmente para eles.
Agindo assim o movimento estudantil dá exemplo para toda a sociedade, principalmente para os próprios Professores. Agindo assim ficará difícil o governo escamotear o quanto tem negligenciado as escolas públicas, porque quem o fala tem legitimidade e experiência de causa. Não é o grande redator que estudou nas melhores escolas particulares e defende a meritocracia ou o senhor governador que chama de novela o movimento grevista dos Professores que devem dizer o que é a educação paulista, pelo contrário, são os alunos que sofrem com a falta de Professores, que estão muitas vezes espremidos em uma sala de aula, são o Professores que recebem pouco perto de sua importância, que, sendo profissionais, são deslegitimados e ridicularizados pelo governo que podem dizer o que é a deseducação paulista. Em suma, somente quem vive o cotidiano das escolas sabe dizer com precisão os problemas por elas enfrentados, porque os demais que estão de fora apenas veem os muros.
O despertar dos alunos que, dentro e fora das escolas dão seu apoio aos Professores será o golpe final desferido no escárnio do governo.
O movimento de ontem mostrou isso, e tende a crescer.
Ontem foi o cortejo fúnebre do desrespeito geral do Alckmin em relação à educação. Ontem foi o revigorar do movimento estudantil que vai tomar conta das ruas e reivindicar o que é seu direito: Educação de qualidade.

Todo apoio aos Professores e todo aplauso aos alunos! Força à todos!

terça-feira, 17 de março de 2015

Complexo de vaso sanitário

Foi uma experiência simples que mostrou como sofremos do “complexo de vaso sanitário”, recebendo qualquer merda integralmente sem ao menos questionar a veracidade das informações. Eu entendo o porquê, mas calar-se diante disso é um problema gravíssimo.
Ano passado me lembro de ter desmentido um sujeito “idôneo” e “cristão” que disse que o governo de então não tinha concedido aumento real dos salários, pois segundo ele a inflação foi muito maior no período. Ele usou um jornalzinho de ofertas de 1996 e disse que os preços eram bem menores, o que provava a mentira do aumento dos salários. Muita gente concordou com ele e compartilhou tal postagem com ar de indignação, ferozmente propagando que era uma mentira o que dizia o governo. Eu tive o prazer de comparar o aumento de produto por produto, preço por preço com o aumento do salário mínimo no mesmo período para ver se fazia sentido, e, como sempre, os rapazes estavam mentindo, e uma mentira se fazia passar por verdade.
Isso me custou boas horas de pesquisa e abdicação de estudos outros, tempo e paciência que muitos não têm. Por isso entendo o complexo de vaso sanitário, onde a maioria adota por verdade qualquer coisa “moralizante” propagada aos gritos.
A bola da vez agora são os escândalos de corrupção. Inegavelmente eles estão aí para qualquer um ver, e embora sejam sim usados de maneira política numa articulação entre mídia e partidos da direita, eles devem ser severamente punidos. Contudo, o que me deixa um tanto receoso e por vezes surpreso é a capacidade de alguns analistas políticos formados na Veja em atrelar a corrupção no Brasil ao período dos últimos 12 anos. Essa ideia de corrupção neste período é amplamente acreditada por parte da população acometida pelo complexo de vaso sanitário, e tem por reação os incessantes e raivosos pedidos de impeachment e até o da volta da ditadura militar para, como dizia Jânio Quadros, “varrer a corrupção”, ou mesmo tirar o Brasil do “mar de lama”, mote do grandiloquente Lacerda.
Peguei, então, o seguinte trecho e o mostrei aos alunos  (e também postei no facebook) dizendo ter sido escrito em Fevereiro deste ano (2015) por um pensador conhecidíssimo e contrário ao governo. Eis o trecho:

"Toda a nacionalidade no momento que atravessamos tem sua vista volvida sobre o caso [...] presidencial […] porque ele se prende ao feliz futuro da patria [...] nenhum brasileiro cônscio de seus deveres deverá na hora presente entregar-se a letargia olvidando que a nação atravessa uma crise de falta de homens honestos [...] A democracia […] perdeu de vistas a sua verdadeira fonte de inspirações; […] estamos simulando o regime da democracia.
O caráter vai em decadência, o critério politico não mais existe [...] Vamos. pois, então nós brasileiros livres que andamos de acordo com o nosso pensamento, e longe das machorcas politicas, vamos apontar o verdadeiro homem que saberá dirigir a nossa terra [...] gritemos a plenos pulmões [...] em prol da nossa felicidade, em prol do regime democrático que ora acha-se falido e derrocado." 

A maioria quando viu diretamente associou aos problemas inegáveis do governo atual, alguns, inclusive, dizendo ser justo o impeachment, dado a corrupção do governo. A maioria disse que quem escreveu o fizera de maneira lúcida e que se enquadrava perfeitamente no cenário político atual. Contudo, quando revelei a verdadeira fonte e o ano de publicação gerou-se um pequeno incômodo a princípio. O trecho fora retirado do Jornal A Tarde em abril de 1937.
É óbvio que tais palavras são facilmente relacionadas, e com certa razão, aos dias atuais. Contudo, ao descobrirem a data em que foram publicadas perceberam que a corrupção no Brasil é crônica, e que sempre o Estado de São Paulo contesta a legitimidade do governo quando este não é paulista ou bem quisto por São Paulo. Essa postura gerou, inclusive, os conflitos de 1932, o golpe de 1964 e está aí até os dias atuais na ideia de separatismo pós-eleições e no pedido de IMPITIMA e intervenção militar. Se eu não tivesse revelado a verdadeira fonte e ano de publicação o complexo de vaso sanitário faria com que as palavras fossem realmente creditadas ao senhor a quem atribuí em princípio, tal como todos creram no primeiro momento, e fomentaria, certamente, mais ainda o ódio ao atual governo e pedidos de IMPITIMA para limpar a pátria, pedido incoerente de democracia acabando com o processo democrático.
A corrupção não foi inventada há 12 anos, como apontam alguns líderes de direita e a mídia e o complexo de vaso sanitário faz alguns acreditarem. Não é a intervenção militar que dará jeito, nem o IMPITIMA, haja vista que as mesmas reclamações de 1937 estão presentes hoje, e as duas soluções apresentadas já foram utilizadas sem dar o menor resultado, posto que a corrupção ainda está aí.
A diminuição da corrupção ou o seu fim passa pela reforma política, não pelo fim do processo democrático. Antes de lutar pelo IMPITIMA ou defecar pela boca vociferando pela volta dos militares, grite a plenos pulmões pela reforma política. Peça ao senhor Gilmar Mendes parar de enrolar e devolver logo o projeto do fim do financiamento privado de campanha, projeto já votado pelos ministros do STF e cuja votação acaba com esse câncer na política brasileira.

O complexo de vaso sanitário tem tratamento: estudos e pesquisa.