domingo, 1 de abril de 2012

Eis o nosso legado.

A colonização do Brasil foi marcada pelo isolamento e dispersão. Era um território imenso e pouco povoado, marcado pela agricultura de exportação.
Isso não quer dizer, necessariamente, que somente houvesse grandes propriedades e que somente se produzisse para a exportação, havia sim outras propriedades menores e que produziam para subsistência e abastecimento do mercado interno. Todavia, o sistema de plantation marcara mais a fisionomia do Brasil durantes muitos séculos.

Essa dispersão não facilitava nem a Coroa portuguesa nem a Igreja um controle das práticas dos colonos, pois devido à distância e à precariedade da Colônia estes não se faziam tão presentes tal como na Europa. Assim, no Brasil, formou-se um tipo diferente de catolicismo e a lei que valia era a que cada um criava para reger sua propriedade. Sem contar que além dessa dispersão e ausência de poderes para regular a vida dos colonos outros fatores impediram que o Brasil tivesse uma unidade cultural: a grande convivência entre culturas totalmente distintas e a pouca comunicação entre as diferentes províncias.

Os reflexos desta formação do Brasil são sentidos ainda hoje.

Com relação à miscigenação, naquele vasto território pouco habitado, várias culturas tiveram contato entre si.
Normalmente diz-se que na época da Colônia houve uma miscigenação e um contato basicamente entre três culturas: europeia, indígena e africana. Todavia isto é uma generalização que não é correta, pois dá a entender que todos os indígenas, assim como todos os negros, tinham a mesma cultura. Dentre os indígenas que tiveram contato com os portugueses em todo o território havia grandes diferenças culturais entre eles. O mesmo vale para os negros advindos da África. Nota-se tanto pela fisionomia quanto pelos costumes que na África havia uma pluralidade cultural muito grande.
Entre os próprios europeus havia culturas diferentes. É evidente que havia uma maioria de portugueses, entretanto, muitos judeus recém convertidos ao cristianismo tiveram por aqui, e tudo leva a crer que não necessariamente deixaram a fé judaica de lado totalmente, até por conta da falta de fiscalização religiosa.
No fim do século XIX houve, com o fim da escravidão, outra miscigenação impactante no Brasil proveniente da chegada de colonos de diferentes partes da Europa e até de japoneses para substituir a mão de obra escrava.

A falta de comunicação entre as províncias teve dois motivos mais evidentes: uma estrutural, devido à distância e a falta de estradas que as interligassem, além da inexistência de aparelhos de comunicação à longa distância, incluindo serviço de correio; e outra legal/econômica, pois a Coroa, com o intuito de preservar os interesses dos que detinham o monopólio do comércio com o Brasil, por vários decretos dificultava o comércio interno, além de que o pacto colonial previa que a Colônia deveria gerar lucros para a metrópole. Daí que o sistema de produção de cada província era quase inteiramente baseada  no plantation, e este sistema é voltado totalmente para exportação. Com isso cada província mantinha relação direta com Portugal, e quase nula entre si.
A maior exceção são os bandeirantes que rasgaram o território da Colônia atrás de riquezas naturais e que acabaram fazendo comércio de vários tipos, incluindo o de escravos indígenas, entre as províncias.


No caso da religião, naquela época não havia uma repressão intensa, tal como havia na Europa, sobre os colonos para fiscalizar suas práticas religiosas nem para impedir que ritos de outras culturas se mesclassem com o catolicismo. Sem o controle efetivo da Igreja e a falta de padres para atender a todas as regiões ficou a cargo de leigos a celebração de ritos e missas, e isso gerou uma forma toda particular de catolicismo.
Nota-se que ainda hoje é comum os líderes e participantes viverem duas vidas: uma dentro e outra fora das igrejas. Recriminam-se determinadas atitudes dentro das igreja, mas estas mesmas são tomadas fora delas. E isso não é somente entre os católicos.
Nota-se também os reflexos da falta de controle da Igreja e do modo diferente de catolicismo criado no Brasil quando se vê algumas práticas como: folia de reis e o escapulário, que são carregados da mescla com as culturas indígena e africana respectivamente, e até mesmo o Carnaval, que é bem diferente do Carnaval europeu.
O modo peculiar brasileiro de “trazer para dentro de casa a Igreja” através das capelinhas e o modo como os santos viraram parte da família, chegando até mesmo a sofrer castigos- principalmente o coitado do Santo Antônio- também são resultados dessa falta de presença da Igreja e de seu controle sobre as práticas dos colonos.

Já no caso da leis a mesma falta de controle sobre as ações dos colonos que afetou a Igreja também se fez presente com relação à Coroa portuguesa. Desde as capitanias hereditárias, quando a Coroa deu aos capitães carta régia que lhes atribuía o privilégio e o direito de reger cada um por sua conta as leis e regular a criação de cidades que o Brasil tem leis particularistas.
Mas esta prática de leis particularistas em detrimento das leis do Estado não se restringiu somente aos donos de capitanias e posteriormente de sesmarias. Esta prática se estendeu a todos os cantos deste grande território pouco povoado. Com a dispersão e o isolamento, junto com o milenar machismo, o que se viu no Brasil foi a implantação de “uma lei em cada lar” criada e sustentada pelo pai e chefe da família. Estas leis particularistas eram criadas e as punições às transgressões eram feitas de acordo com o entendimento dos chefes de família justamente pela ineficácia no controle e repressão a estas práticas por parte da Coroa.

Este isolamento fez com que no Brasil as relações se dessem muito mais no âmbito particular do que no público, daí a explicação para formas tão particulares de religião e leis, assim como a falta de relação entre as províncias e a miscigenação de diferentes culturas nas diferentes regiões do Brasil explica a inexistência de uma cultura única e um sentimento nacionalista.

Quando o Brasil começou a se tornar urbano o particularismo já estava arraigado em sua população. Criado no âmbito rural e particularista, com culturas extremamente distintas, praticamente desconhecendo a esfera pública,  o que se viu na formação das Câmaras Municipais foi que o espaço que deveria servir para discussão de assuntos públicos tornou-se uma extensão dos negócios particulares, privados.

A corrupção tem sua raiz na formação do Brasil.
O que é a corrupção senão o uso do espaço público para atender a interesses privados?!? A venda de votos para a aprovação determinados projetos, o pagamento de propinas e o desvio de verbas públicas não seriam exatamente alguém que deveria zelar pelo bem da coletividade se aproveitando do cargo que ocupa em benefício próprio? Não se evidencia aí o caráter particularista em que se formou o Brasil?
Falando em particularismo e corrupção: parar o carro em local proibido, ainda que só "um minutinho" somente para não ter de procurar outro local que seja lícito, sem se importar se isso pode atrapalhar outrem, também não é corrupção? Não significa isto a priorização do individual em detrimento do coletivo e aquela autonomia de fazer as próprias leis?

Isso tudo explica o porque a Câmara Municipal de Ribeirão Preto esteve cheia nesta ultima terça-feira. Não havia ali- exceto alguns poucos que protestavam contra o aumento do subsídio dado aos vereadores- pessoas zelando pelo interesse público. O que se viu foi, tanto da parte dos vereadores quanto dos servidores públicos, um embate pela defesa de interesses particulares. Uns cuidando de aumentar o próprio salário enquanto os outros cuidando para que o seu também fosse aumentado. Tudo no âmbito do particular, nada no público.
A “não ida” de outros setores da sociedade naquela seção da Câmara também evidencia o caráter particularista de nossa sociedade. Pois o fato daquela seção não acarretar materialmente um benefício direto aos outros grupos fez com que estes não ajudassem os servidores municipais, que por sua vez nunca ajudaram outro grupo pelos mesmos motivos.
Aí evidencia-se além do caráter particularista o caráter regionalista ou bairrista, que também é fruto da formação do Brasil.

A formação do Brasil explica: o porque hoje o lado comunitário é tão fraco; porque o espírito crítico do brasileiro é tão pequeno; porque há leis que pegam e leis que não pegam; porque as religiões servem apenas de mascaramento social, dado que seus fiéis não seguem firmemente os preceitos estipulados por elas fora das igrejas; e o porque da corrupção no Brasil.

Formou-se no Brasil uma espécie de cidadão que: é autônomo para escolher quais leis servem e quais não servem para serem seguidas, mas ao mesmo tempo totalmente dependente do assistencialismo do Estado; um cidadão que se enoja com as práticas dos políticos sem se dar conta de que padecem dos mesmos “pecados”; um cidadão que não consegue enxergar como um benefício algo feito em outro lugar que não em sua freguesia, e que portanto somente luta por aquilo que diretamente o beneficiará.
Este tipo de cidadão não consegue uma verdadeira união nem dentro do próprio bairro, quanto mais dentro de um município, justamente por estes motivos citados.

Somente há uma escolha a ser feita: mudar, pois replicar, dar prosseguimento, continuar com isto já provamos que sabemos fazer bem!