Já adianto ao
leitor mais sensível e religioso que não siga neste texto, pois se minha fé na
divindade não existe, tampouco existe o freio destes dedos profanos. Espero,
porém, que os mais audazes me perdoem a franqueza e a falta de conhecimento
teológico, e que rezem por mim para que não me aconteça de um fiel muito fiel
me cobrar o preço de minha vida pela blasfêmia que segue.
Na onda dos
debates sobre as relações de opressão que as mulheres sofrem pelo machismo estrutural,
penso haver um caso no mínimo muito estranho no mito cristão. Maria, mãe de
Jesus, sofreu algum tipo de violência sexual? Eis a pergunta que me fiz por um
tempo - se acaso o leitor sensível e religioso me seguiu até aqui, peço que se
for impossível não me odiar, que ao menos me faça justiça e que assuma que eu
avisei para não continuar lendo.
A curiosidade
matou o gato, e espero que a minha não me mate. De qualquer forma, me ungi com
as pulgas atrás da orelha e me coloquei a pesquisar a resposta de minha dúvida
profana. Fui buscar na leitura de meu xará algumas respostas, e para o leitor
religioso que até aqui se aventurou a resposta que Maria me deu é que não houve
estupro por parte de deus, pois houve consenso naquela cópula, já que ela
disse: - “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra”.
Ocorre que
normalmente as mulheres acobertam os agressores por medo da violência do
mesmos, e era bem conhecida a ira e a vingança do deus do antigo testamento,
e não tendo Jesus nascido para ensinar os paranauês do amor e tal, é pouco
provável que Maria ousasse se opor ao apetite sexual divino – o coitado do
Zacarias que o diga, pois simplesmente por duvidar da gravidez de sua mulher
Izabel (tenho dúvidas sobre a verdadeira paternidade de João) fez com que a
divindade o deixasse um bom tempo mudo.
No texto de meu
xará diz que o anjo Gabriel invadiu a casa de Maria, e tendo ela se assustado o
mesmo disse: - “Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus”. Após
isso ele anunciou o seguinte à pequena virgem: - “E eis que em teu ventre
conceberás, e darás a luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus”. Maria,
surpresa, pergunta ao anjo como isso seria possível se ela ainda não conhecia
os prazeres da carne, ao que ele responde: - “Descerá sobre ti o Espírito
Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”.
O que chama a
atenção em toda essa história é que em momento algum o anjo pergunta a Maria se
ela aceitava tudo o quanto era proposto, ou seja, que se tornasse mãe, mas sim
anunciava o que o altíssimo já tinha decidido de si para si fazer. Embora Maria
tenha aceitado aquele desígnio até com certa alegria dadas as promessas feitas
pelo pai do menino vindouro (“Este será grande e será chamado Filho do
Altíssimo;; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e reinará
eternamente na casa de Jacó, e o seu Reino não terá fim”) a atitude da jovem se
assemelha muito mais a subserviência à divindade e resignação com o mal (ou
bem) do qual não poderia se livrar do que uma ação fruto de escolha.
O final da
História é bem conhecido, pois o menino cresceu pobre e morreu numa cruz perguntando
aos berros ao seu pai: - “Por que me abandonaste!?”; Maria chorou a morte do
filho com amigos. Embora a divindade seja metafísica e Maria um ser palpável, o
que os coloca em planos distintos e desmistifica em mim a ideia de abuso sexual
e abuso de poder, eis a dúvida que ainda me atormenta, caro leitor: Maria teve
escolha?